terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Maldita Guerra", livro de Francisco Doratioto (comentários)

Em 1811 o Paraguai, opondo-se ao plano de Buenos Aires de centralizar o vice-reino do Prata, criado em 1776 para conter Portugal, declarou-se independente. Nos anos de 1825-28, Rosas esteve em guerra com o Brasil pela posse da Província Cisplatina, ou Banda Oriental, culminando na criação da República Oriental do Uruguai. Até 1842 o Paraguai foi governado por Francia, ditador perpétuo. O Paraguai depois disso se isolou dos outros países baseando sua economia na erva-mate, madeira e tabaco, sob o forte controle do Estado, mantendo forte comércio com a província de Corrientes na Argentina. Com a eleição de Carlos Antonio López o país começou a participar no plano externo platino. Com Corrientes, assinou tratados de comércio e navegação, adiando também a questão dos limites. Enquanto isso, Rosas dificultava seu comércio exterior com o controle da navegação do rio Paraná. Por representar uma ameaça comum, Rosas foi um motivo para a aproximação entre Brasil e Paraguai. Além disso, a intervenção Argentina na guerra civil uruguaia em 1835-51 com o apoio aos blancos não era bem vista pelo Brasil. Com isso, foi oficialmente reconhecido em 1842 a Independência do Paraguai pelo Brasil.

O Brasil defendia a independência do Uruguai e do Paraguai por essa evitar o surgimento de uma potência rival ao Brasil – a Argentina – que poderia estimular movimentos republicanos dentro do império e apresentar empecilhos à livre navegação brasileira no Prata, além de não colocar obstáculos à navegação fluvial nos rios Paraná e Paraguai, caminho mais prático de acesso ao Mato Grosso a partir do Rio de Janeiro. Assim, o partido Conservador procurou reduzir as fronteiras argentino-brasileiras e defender a independência dos países platinos. Nessas lutas o Brasil defendia, portanto, as facções abertas à livre navegação, no caso do Uruguai os colorados e da Argentina, o governador de Entre Rios, Urquiza. Essa aliança com Urquiza levou à queda de Rosas em 1852, depois da qual formaram-se a Confederação Argentina e o Estado de Buenos Aires, garantindo a livre navegação do Prata e do Paraná.

Com seu acesso ao mar garantido, o Paraguai começou seu plano de modernização, basicamente militar, com a ajuda de técnicos ingleses e europeus. Nesse ponto Doratioto aponta que é uma falácia a visão revisionista de que o Paraguai promoveu uma modernização de dentro, sem o concurso de centros capitalistas, a ponto de tornar-se uma ameaça aos interesses ingleses. Outro engano é o de que o Paraguai tinha uma sociedade igual e com educação avançada. O que havia era o monopólio da família Lopez nas atividades privadas.

Com a queda de Rosas, o Paraguai e a Confederação Argentina assinaram um tratado de limites, no qual a área do Chaco até o rio Bermejo seria paraguaio e a área de Misiones seria Argentina. O projeto foi rejeitado pelo congresso da Confederação. Em retaliação, Carlos Lopez se aproximou de Buenos Aires. Em 1856 o representante da Confederação Argentina, Guido, reivindicou não só a área de Misiones mas também todo o Chaco, obtendo uma assinatura que adiaria a resolução dos limites por algum tempo. O Brasil assinou o acordo com a Confederação Argentina, na ocasião, em que constava que ambos os lados se apoiariam no caso de um conflito de fragmentação de território. Desse modo, o Brasil se colocava do lado dos secessionistas portenhos e contra Buenos Aires, enquanto a Grã-Bretanha preferia uma Argentina unida, pacífica e liberal, favorecendo seus interesses, ficando, portanto, do lado de Buenos Aires.

O Brasil reivindicava o território entre os rios Branco e Apa, com base no princípio uti possidetis, o que era contestado pelo Paraguai, que defendia o Tratado de Santo Idelfonso, que definia a divisa no rio Branco. Durante a década de 1850, Carlos López criou obstáculos à livre navegação brasileira, e, por pressão do Brasil, terminou assinando em 1856 um acordo que adiaria a questão dos limites por seis anos, concedendo livre navegação. Contudo, o Paraguai, mesmo depois da assinatura do tratado, continuou a dificultar a navegação do Brasil. O império enviou o visconde de Rio Branco a Assunção, que antes passou em Buenos Aires e garantiu neutralidade nas divergências entre este estado e a Confederação. Paranhos, negociando com a Confederação, conseguiu que esta, junto com o Uruguai, reclamasse a abertura do rio Paraguai à navegação, por meio de tratado, junto ao Paraguai. Não se chegou a uma aliança contra o Paraguai porque o Império não concordava com a reivindicação da Confederação sobre todo o Chaco, julgando que esta deveria ficar apenas com a área até o rio Bermejo e desistir do restante do território em troca de Misiones. Em Assunção, Paranhos conseguiu de Carlos Lopez a aceitação das pretensões brasileiras quanto à navegação. Porém, os Lopez estavam convencidos de que a qualquer momento o Brasil e a Argentina lhe fariam guerra e começaram os preparativos militares. Outro acordo de cooperação entre o Brasil e a Confederação foi assinado, mas não ratificado por Urquiza, diante da recusa de concessão de novo empréstimo e da imposição brasileira de intervir diretamente em Buenos Aires. Urquiza então propôs a Lopez que fosse o intermediário entre a questão entre a Confederação e Buenos Aires, o que foi aceito. Lopez, contudo, não queria uma Argentina unida. Em 1861, as forças de Urquiza foram derrotadas pelas de Mitre, que comandava a força de Buenos Aires. Ao mesmo tempo, aumentava a tensão entre Brasil e Paraguai na questão dos limites, ambos os lados mostrando-se intransigentes nas suas reivindicações.

Em 1862 a Argentina se unificava, Solano Lopez subia ao poder e no Brasil os liberais substituíram os conservadores no ministério. A falta de definição de limites entre o Paraguai e o Brasil se chocava com os interesses expansionistas de Lopez. Para se fortalecer, aproximou-se dos federalistas argentinos, no combate ao poder central, aliando-se também aos blancos uruguaios. Com o Uruguai, o Paraguai queria conseguir uma saída ao mar, pelo porto de Montevidéu, e assim garantir e ampliar suas relações comerciais com os centros capitalistas europeus.

A situação do Uruguai, presidida por Bernardo Berro, era o catalizador de todas essas divergências. O porto de Montevidéu, dada a oposição federalista de Entre Rios e Corrientes a Buenos Aires, unificada por Mitre, concorria com o porto congênere de Buenos Aires, por dele se utilizarem essas duas províncias para realizar suas exportações. Em relação ao Brasil, o presidente Berro fechou a livre navegação brasileira em diversos rios uruguaios, além de instituir um imposto sobre as exportações de gado para o Rio Grande do sul, além de prejudicar a produção de charque brasileira proibindo o uso de escravos em seus territórios pelos gaúchos. Dessa forma, o presidente Berro indispôs-se tanto com o Brasil quanto com a Argentina e o fim de seu governo passou a ser uma prioridade para esses dois governos.

Com a invasão do colorado Flores com o beneplácito da Argentina, o Uruguai busca aproximar-se do Paraguai, e também dos federalistas argentinos. Ao mesmo tempo, o Paraguai recebia uma proposta de aliança de Urquiza. Solano Lopez negou a aliança por temer a repressão de Buenos Aires. A tensão, contudo, crescia entre a Argentina e os blancos do Uruguai, devido ao apoio da primeira às ações de Flores. Com a negação de Mitre de dar a Solano Lopez a mediação no conflito, este mudou sua postura.

Na fronteira com o Uruguai, os brasileiros sofriam violência. Os Liberais brasileiros temiam que os estancieiros gaúchos se aliassem a Flores por se sentirem desamparados pelo Rio de Janeiro, renascendo entre eles as aspirações secessionistas. O Brasil foi levado a intervir no Uruguai tanto por causa da questão inglesa, que abalou o moral dos brasileiros, quanto pela pressão da opinião pública, bem como para evitar que a vitória de Flores beneficiasse apenas a Argentina. No Uruguai, assumia a presidência o blanco Aguirre. Em 1864, Saraiva leva um ultimatum ao Uruguai quanto à punição dos funcionários que teriam abusado de sua autoridade para com os brasileiros e exigia a indenização dos prejuízos sofridos por estes. A Argentina assumiu a posição de se manter neutra quanto às ações do Brasil junto ao Uruguai, depois de seu representante Mormól ir ao Rio pedir explicações ao Brasil sobre suas intenções no Uruguai. Aguirre, que imaginava contar com o apoio de Lopez, foi enérgico com Saraiva, culpando o Brasil e a Argentina pela guerra civil uruguaia. Para a Mitre, interessava o enfraquecimento dos blancos, pois com isso cairia a oposição federalista contra Buenos Aires.

Saraiva, Elizalde e Thornton encontraram-se com Aguirre para negociar a paz com Flores, na Conferência de Puntas do Rosário. Aguirre concordou com o texto preliminar do acordo, mas depois recuou, quando todos consideravam fato consumado. Pressionado por Thornton, Aguirre modificou o ministério, mas não agradou Saraiva e Elizalde. A relação leal entre os dois diplomatas amaciou as desconfianças mútuas entre os governos brasileiro e argentino. Ao mesmo tempo, a ação convenceu a Grã-Bretanha que o Brasil não tinha pretensões de anexar o Uruguai, mas apenas de obter a paz. Saraiva tentou obter a aliança de Mitre para uma intervenção conjunta no Uruguai, que a rejeitou, mas reconheceu a os motivos do Brasil. Aguirre tentou convencer Solano de que o Brasil e a Argentina queriam anexar esse território e que o Paraguai seria o próximo. Saraiva levou outro ultimatum a Aguirre, que tinha certeza que seria apoiado pelo Paraguai, e devolveu a correspondência. Depois disso, a Argentina e o Brasil garantiram apoio mútuo nos esforços de cada um para solucionar as pendências com Aguirre. Lopez protestou contra qualquer ação no território uruguaio, com grande comoção pública. A partir daí, tanto brasileiros quanto argentinos se convenceram que a crise só terminaria com o próprio fim do governo de Aguirre. No Brasil, se recebiam notícias de mobilizações de tropas paraguaias nas fronteiras. Em 12 de outubro, uma brigada brasileiro sob o comando de Mena Barreto invadiu o território uruguaio e ocupou a vila de Melo, entregando-a em seguida a Flores. Em 1865 as tropas brasileiras seguiram para Montevidéu. O Uruguai pediu apoio ao Paraguai, que negou por não ter a confirmação oficial da invasão. Em 11 de novembro, o navio brasileiro Marquês de Olinda chegou a Assunção, e foi capturado, causando revolta na opinião pública brasileira. Ao pedir explicações ao Paraguai, este rompeu relações com o Brasil, proibindo também a navegação de navios brasileiros no rio Paraguai. Ao mandar aprisionar o Marquês de Olinda, Solano já acreditava que o Brasil lhe faria guerra. Acreditava que o governo argentino se voltaria contra o Paraguai, passando a acreditar que o Brasil, ao aliar-se com Flores, servia à política de Buenos Aires.

Doratioto afirma que Solano Lopez interpretou as ações brasileiras de forma errada, por não contar com repartições diplomáticas no exterior. Soma-se isso ao caráter autoritário do governo, em que as decisões não se davam em instâncias que avaliassem os diferentes aspectos do contexto platino.

O governo imperial passou a buscar uma aliança com Buenos Aires em apoio a Flores, e, da mesma forma, estender o apoio mútuo em caso de dissensões com o Paraguai. A proposta foi negada por Mitre, mas este manifestou votos pela vitória do Brasil. Mitre não poderia se comprometer com tal empresa por temer a oposição dos federalistas, que possuíam afinidades culturais com os paraguaios. Por não aconteceu o apoio paraguaio em defesa do Uruguai, este mandou um representante à Europa para tentar obter a garantia das potências capitalistas da independência deste país. Quando retornou, Flores já estava no poder. Flores se comprometeu a atender a todas as exigências do ultimatum anterior do Brasil. Apesar do sucesso, Paranhos foi demitido por haver-se considerado que ele não reparara a honra brasileira ferida pelo governo blanco em dois episódios. Depois da queima da bandeira brasileira em praça pública, a mando de Aguirre, Paranhos evitou a represália por parte de Tamandaré, que queria bombardear a cidade. Este alegou que a atitude do diplomata carecia de dignidade. Também, ficou contra ele a opinião pública, por causa dos termos do acordo no Uruguai, que não continha a punição imediata dos responsáveis pela violência contra brasileiros, nem dos que arrastaram a bandeira imperial pelas ruas de Montevidéu.

No Brasil, no final do século XIX, adeptos do positivismo culpavam o Brasil pelo início da Guerra. No Paraguai, no mesmo período, surgiu o revisionismo sobre Solano, tendo sua imagem reconstruída e tido como grande estadista e chefe militar, postura adotada por uma série de ditadores como Rafael Franco, Higino Morinnigo e Stroessner, que a tornou a ideologia oficial do Estado. Em fins de 1960 Lopez foi promovido a líder antiimperialista. Essa corrente colocava o Brasil e Argentina como instrumentos do imperialismo inglês diante da expansão paraguaia como país autônomo na região, versão que se propagou no livro Genocídio Americano, de Chiavennato.

Após a morte de Solano, não se questionava o ter sido ele um ditador que lançou seu país em guerra imprudente contra vizinhos mais poderosos, o que levou a historiografia tradicional a personalizar a explicação das causas da guerra na figura de Solano Lopez, deixando em segundo plano o processo histórico que levou ao conflito. No final do século surgiu o revisionismo histórico da figura de Solano Lopez, também conhecido como lopzismo, que buscava transformar o ditador em herói, cujo intelectual responsável foi Juan Emiliano O’Leary. Adiante, na busca de do reconhecimento por parte de Enrique Venâncio Solano López, do direito em receber os bens de que seis pais se apropriaram durante a guerra explica, em parte, a transformação da imagem de Lopez de tirano para a de herói. O revisionismo lopzista ganhou força com o coronel Rafael Franco em 1936, que editou decreto tornando Solano herói nacional.

Nas décadas de 60 e 70, o revisionismo explicou o confronto entre duas estratégias de crescimento: a paraguaia, sem dependência dos centros capitalistas, e a da Argentina e do Brasil, dependente do ingresso de recursos financeiros e tecnológicos estrangeiros. Para o revisionismo, esses dois países teriam sido manipulados pela Inglaterra para aniquilar o desenvolvimento autônomo paraguaio, abrindo novo mercado para os produtos ingleses e fornecedor algodão para as indústrias inglesas, cujo fornecimento fora prejudicado pela guerra civil norte-americana. Doratioto rebate a versão, afirmando que o mercado consumidor paraguaio era diminuto, e ainda, assim, aberto à importação. Além disso, a compra de algodão no Egito atendia às necessidades da indústria têxtil britânica. Esse movimento revisionista se explica pela luta dos governos militares contra o liberalismo, denunciando a ação imperialista. Doratioto mostra que a Inglaterra foi contra a guerra. A explicação do apoio inglês por meio dos empréstimos aos aliados não se explica, pois o capital não tem ideologia, e emprestar ao Paraguai, o país mais fraco, não fazia sentido.

O revisionismo histórico viu a constituição da Tríplice Aliança sob a articulação e influência de Thornton. De fato, a Inglaterra tinha interesses na pacificação da região para liberar o comércio inglês afetado pela guerra civil.

Esse texto possui autoria desconhecida, mas você pode clicar abaixo para acessar o original:
http://pt.scribd.com/doc/50247945/Francisco-Doratioto-Maldita-Guerra-comentarios

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