Artigo do Rubens Vuono Brito
publicado em 01 de julho de 2010
“Educ etiam tecum omnes tuos si minus quam plurimus; purga urbem [Leva também contigo todos os teus senão, o maior número possível; limpa a cidade].” Cícero, 1ª Catilinária cap. V
Quase todos nós que descendemos de povos mediterrâneos conservamos muitas de suas tradições. Uma delas é o almoço aos domingos com toda a família reunida. Os italianos têm uma frase sobre estas reuniões festivas “em la tavola no se invechia”.
“À mesa não se envelhece”. Lá estão avós, pais, filhos e netos, os amigos, todos felizes e contentes. As crianças pulam do colo dos avós para os dos pais, brincam com os primos, vão ao quintal e voltam para ganhar mais guloseimas. Os mais velhos contam casos ora engraçados ora episódios do trabalho e de suas vidas, mas problemas não são trazidos à mesa.
À mesa, a meu ver, estão as mais altas manifestações da natureza humana e, neste particular, responsáveis por toda esta alegria de viver e conviver: os sentidos, a vontade, a inteligência e também a fé (última ceia do N.S.J.C) para os crentes como eu.
Os sentidos: o tato, ao tocar o tecido de um guardanapo engomado, ao partir um pedaço de pão fresquinho ou no sentir o calor de um prato quente ou o gelado do sorvete. A visão, ao enxergar a beleza da toalha, da mercenária e dos cristais. A audição, ao ouvir as conversas, fonte do intelecto e do bem falar. O olfato; o perfume das Sras, o buquê das boas bebidas, o aroma dos pratos e, finalmente, mas não por último, o paladar que é à mesas como a pedra de Toque, responsável pelos elogios e Loas às Sras. que esmeraram-se nos temperos e na disposição e apresentação da reunião festiva. Os sentidos despertam a vontade e são interpretados pela inteligência.
Existem, porém, pessoas ou grupo de pessoas que são destoantes à mesa. Geralmente não são convidadas mas “aparecem”. Pessoas que vêem mas não enxergam; ouvem mas não escutam, confundem perfumes buquês, aromas. Engolem sem mastigar, sentam em lugares que não lhe são próprios, cochicham em vez de conversar, muitas vezes dando as costas para uma senhora. Quem são estas pessoas que tem o poder e a resistência, quando em viagem, de comer uma maionese de camarão já passada por dias de geladeira sem ficar doente, um ovo esverdeado de botequim de arrebalde com maria mole ressequida como sobremesa e um café requentadíssimo dezenas de vezes, sem dar um gemido, reclamar ou ir para no hospital?
São eles mesmos, já adivinharam!! Os políticos!!! E porque são assim? Porque pessoas de bom berço e educação, que frequentaram bons colégios sofreram verdadeira metamorfose regressiva? Orgulho dirão? Mas têm muito orgulhoso que tem aversão (fruto também do orgulho?) aos políticos. Então por quê? Pelo poder, o direito de mando. Muito bem, mas isto justifica todas estas atitudes de mau comportamento muitas vezes ridículas (abraçar pessoas que não lhe são apresentadas, dançar passinhos engraçados, tentar ou fazer embaixadas esportivas sem nunca ter jogado um futebol ou bola ao cesto?) beijar crianças nas ruas, enfim tudo o que a nossa educação e bom senso reprovam ou desaprovam? Para eles justificam sim; pela conquista do voto. Os meios enquanto atitudes reprováveis justificam o fim, voto, ou seja, a posse da autoridade.
Autoridade é por definição o direito de mandar e provém de uma superioridade, que deve ser para o bem, exemplo: autoridade do médico, advogado, engenheiro, militar está baseado na superioridade de conhecimentos em medicina, leis, engenharia e conhecimento bélico. A autoridade das testemunhas, continuando, provém da sua superioridade presencial. De um mestre pedreiro ou sapateiro da superioridade de conhecimentos de seu ofício e assim por diante. Então pergunto: por que a mais alta autoridade de um país (presidente) provém da inferioridade do sistema corrupto que o escolhe e não da superioridade de conhecimentos para o bem?
Os políticos juntam-se em partidos. Estes, por sua vez, decidem não quem é o melhor ou mais capaz para o país ou para a humanidade, mas sim quem é o melhor de voto, de palanque, ou melhor, dito “bom de bico”. Em consequência, temos esta fauna de eleitos que se repetem há 100 anos.
“Todo poder vem pelo voto”, frase de efeito que tantas vezes repetidas acaba por lavar e retirar do cérebro a vontade e a capacidade de refletir e opor-se, principalmente na população, de per si apolítica honesta e trabalhadeira. Desta maneira não há qualquer defesa possível dentro desta “legalidade” absurda, responsável pelas desgraças que nos encontramos (e outros povos também). Eis o ponto! E eternamente será assim como foi no último século de desgovernos republicanos (nos últimos 84 anos apenas três presidentes civis e eleitos por voto direto terminaram o mandato). Eleições corruptas, a começar pelas mais modestas do interior que distraem mas envenenam; que envenenam mas arruínam a todos os que nela acreditaram. Lutas partidárias sem ética que dividem e desunem. Indução pela mídia dos eleitores por meio de técnicas cada vez mais sofisticadas que encantam e depois desapontam.
Quanto o executivo provém deste sistema, o legislativo idem, e o judiciário é devedor dos dois últimos, o sistema emperra (crises institucionais, ingovernabilidade) e então, todas as linhas que deveriam ser traçadas para o bem do Brasil (política econômica social e militar) transformam-se em linhas quebradas ou pontilhadas. Não existem programas que perdurem, para o bem da nossa pátria, para alegria e despreocupação das potências estrangeiras que podem a cada eleição imiscuírem-se nos interesses mais altos do nosso país por meio de grandes corporações ou testas de ferro. Daí golpes, contragolpes, sete constituições, três períodos ditatoriais neste século republicano. Deste 1926 apenas três presidentes civis e eleitos pelo povo terminaram o mandato, sendo dois destes com crises fortíssimas de ingovernabilidade (e antes de 1926 quase todos, ou todos, tiveram períodos de estado de sítio).
Quem controla o presente, controla o passado (história) e quem controla o passado, controla o futuro (G.Orwell, 1984) e isto está acontecendo e é muito sério. No Brasil, o desmonte da história pelos positivistas de 89, e depois pelos marxistas, trouxe o aniquilamento da verdade no que se refere aos nossos grandes homens e suas realizações notadamente os do século XIX com irreparável prejuízo pelos ethos nacional.
O ensino da História do Brasil no regime republicano é um monumento de habilidade no que se diz e no que não diz, no que cala, no que insinua, no que recalca, no que esconde, no que intriga, no que injuria e no que cria. Exemplos?!!
A dilapidação e destruição dos prédios e arquitetura imperial (palácios, teatros, monumentos) em nome do “progresso”. Pobre Rio de Janeiro! Pobre missão francesa!
Músicas (hinos militares, sacros, padre Maurício, Carlos Gomes), concertos da época, o leilão do Paço da Quinta da Boa Vista e do Palácio de Santa Cruz (1891) com perda do maior acervo de arte das américas de então etc. Ótimo trabalho de pesquisa para quem é bom investigador.
Mudança da Bandeira Nacional sem consentimento do povo. Extinção das condecorações de valor e honra, por merecimento (nunca por herança), que os mais ilustres brasileiros ostentaram Caxias, Tamandaré, padre Maurício, Visconde do Rio Branco, Barão do Rio Branco, Taunay, substituídos por medalhas sem tradição (as antigas condecorações vinham de muitos séculos).
E, por falar em tradição, é a principal responsável pela Unidade Nacional, mas paradoxalmente, ou propositadamente, foi alijada pelo governo republicano do Brasil. O poder da tradição, das famílias, da honra, história, glória, da defesa contra os maus governos, poder este da Casa Imperial (antiqüíssimo mas não velho) educada e aclamada; com muito mais sinceridade do que as eleições dos governos nas repúblicas. O poder da tradição que tínhamos no tempo dos imperadores foi responsável, sem nenhuma dúvida, pelos mais de 8 milhões de km² de nossa terra.
Se Montesquieau vivesse, talvez fosse o primeiro a recolocar juntamente com os outros três poderes o poder moderador de Benjamin Constant (o francês) que tínhamos na nossa Constituição Imperial e aí sim com os poderes executivo (primeiro ministro), legislativo (“escola de estadista, hoje praça de negócios”, no dizer de Rui Barbosa) e judiciário nomeado pelo poder moderador (por mérito), o Brasil voltaria ao caminho da honra e do progresso dos quais jamais deveria ter-se distanciado.
Termino com Rui Barbosa republicano de último momento, mas histórico e muito arrependido.
Em 1920, revogada a Lei do Banimento (pesquisem o motivo desta lei e do decreto rolha!), tem Rui ocasião de referir-se ao Imperador no discurso que pronunciou na Liga de Defesa Nacional e o fez declarando representante dos seus companheiros de governo provisório acentuando o caráter de reparação dado aos traslados dos restos imperiais. Reparação?? “Sim, reparação, porque tardou, tardando todo o tempo em que, com tardar, excedeu a medida, o critério, o limite da razão, da conveniência, da necessidade é arbítrio, é injustiça, é esbulho e consequintemente demanda, exige, impõe reparação”.
“Sem algumas virtudes notáveis não seria possível exercitar função tão útil, e para medir o bem que deveria ter causado pelo mal que sua falta causaria, basta calcular em que estado se acharia o Brasil, ao cabo daqueles sessenta anos, se durante eles se houvesse regido o Império com o mesmo gênero de moralidade e idoneidade com que se tem dirigido a república nos seus trinta e mal dissimulados governo constitucional e nominal democracia (...)”.
Respondendo então aos que lhe acusaram de haver mudado, respondia Rui explicando em que consistiam essas mudanças e declarava: “Mas em todos esses pontos, é sempre ao menos para o mais, suponho eu, do mal para o bem, e do bem para o melhor que tenho mudado, ou feito por mudar, com especialidade nos trinta e três anos que vêem da agonia do outro regime, a isto que não sei como se chama do atual.
“Quousque tandum abutere Catilina nostram patientia? [Até quando enfim Catilina abusarás de nossa paciência?]." Cícero, Catilinária, 1ª oração